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13.2.03

Que Socialismo?

Há quem diga que o Socialismo está em crise e sem rumo, depois do último falhanço (a terceira via continental). Há quem diga que a sua história foi sempre de falhanços e que já era altura de parar para pensar se não está algo errado. Não está tudo errado, mas o Socialismo está em crise. Guterres disse recentemente numa reunião da Internacional Socialista que a altura era agora propícia para os governos de esquerda, devido ao falhanço do Neo Liberalismo, que supostamente seria a causa da crise económica actual.
Algumas pessoas estranharam. Afinal, os governos socialistas de terceira via não eram nada mais que falsos governos socialistas? Governos que escamoteavam os seus verdadeiros interesses (liberais), apenas para conseguir captar a votação dum eleitorado desactualizado?
Outras ficaram incomodadas, reclamando contra uma hiprocrisia. A culpa, dizem eles, foi dos socialistas que tiveram no poder uns anos antes desta crise, que desperdiçaram uma oportunidade de ouro para manter um crescimento sustentado, atrofiando a economia com as suas políticas erradas.
Eu não sei o que se passou, mas o que ficou é sem dúvida uma crise na esquerda, pelo menos de identidade. Há então espaço para a esquerda?
A visão socialista foi sempre de maior intervenção na economia que a liberal. Nos dias de hoje, isso não se alterou. No entanto, o paradigma da intervenção estatal directa parece ter perdido a sua força do século passado. Isto aconteceu devido a um crescimento económico assinalável que pôs a nú as ineficiências desta intervenção estatal. Aliás, hoje em dia pede-se mais ou menos em surdina um consenso do bloco central para a necessidade de emagrecer o estado. Menos e melhor estado, dizem. Eu também díria o mesmo se alguém me perguntasse.
No entanto, não se deve retirar daqui que a influência do estado na economia deve diminuir (bem diferente de tamanho). Uma das razões para a intervenção estatal na economia é a existência de bens públicos. Um bem público puro tem três características: impossibilidade de exclusão, impossibilidade de rejeição e indivisibilidade. Não vou explicar pormenorizadamente o que está por detrás de cada uma destas características aqui, mas os seus nomes dizem já bastante e o mail (alvespina@netc.pt) poderá servir para esclarecimentos futuros. A ideia a reter é que os bens públicos não são susceptíveis de provisão eficiente - sob grandes números - por parte do sector privado. Ora, isto justifica a existência futura de algumas partes do aparelho de estado que temos neste momento, mas também reclama uma maior incidência doutra parte que tem sido menos explorada: a regulação económica e defesa da concorrência (também ela, um bem público). Lembrando Karl Popper, uma economia liberal só será bem sucedida se existir concorrência saudável que permita a igualdade de oportunidades. A forma de atingir isto é exactamente através de regulamentação e é para aqui que os socialistas deveriam apontar os seus esforços.
Os seguidores de Hayek e duma tradição liberal/libertária [diferentes mas apontam para o mesmo objectivo] defenderão a inexistência de regulamentação, já que esta implicaria um afastamento da ordem espontânea que preconizam. É claro que as falhas de mercado (conhecidas de quem as quiser conhecer) são contraditórias a esta ideia. Logo, eles estão errados.
Um dos caminhos a adoptar pelo socialismo é então um falhanço do neoliberalismo, consiste no aprofundar dos mecanismos de regulação das falhas de mercado existentes. Descobrir as melhores formas de intervir na economia e descobrir como o fazer a nível mundial. Ninguém imagina uma entidade supra-nacional de regulação e defesa da concorrência, mas seria algo essencial (a par da já existente organização supra-nacional para liberalizar as trocas comerciais); para garantir um crescimento económico sustentado e consequentemente uma ordem mundial saudável.
Mas não acaba aqui. Nós não somos cidadãos de Esparta e estamos longe de matar os nossos jovens doentes. Como tal, o objectivo liberal apenas se aplica a parte das nossas vidas, mais concretamente ao funcionamento do mercado. Fora do mercado, as coisas passam-se de forma diferente. E aqui deveria haver um enorme consenso entre liberais e socialistas. A eliminação da pobreza, da fome e da exclusão social, são objectivos comuns e que têm que ser combatidos. Hayek preferiria remeter este assunto para as actividades privadas de caridade. Na minha ignorância, penso que os liberais gostariam de remeter este assunto para a "sociedade civil", ou seja, para longe do governo. Os socialistas devem debater isto. Mais uma vez se trata dum bem público que poderá justificar a intervenção estatal. E a rede de segurança Hayekiana, mais importante que ser estatal ou privada, tem que existir. Os custos sociais duma pessoa a passar fome são incomportáveis para uma sociedade que se diz civilizada.
Terminando, poderão dizer que eu mais pareço pertencer a uma direita-compreensiva que à esquerda, mas isso não é verdade. Eu ainda me considero pelo menos socialista, e gostaria que fosse o PS a dinamizar esta nova revolução socialista, de forma mais competente que o que aconteceu recentemente, mas com os mesmos objectivos - correctos - que vão sobrando à passagem devastadora da história.